sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Amigo de infância

Cleriston, menino sabido da cidade e o tempo todo queria me enganar.
Suco de maracujá, pão com manteiga, geladinho e até banana real.
Mas o relógio era caro e de estimação.
Minha irmã trabalhadeira me presenteio.
Todas as ofertas que Cleriston me oferecia, eu dispensava.
Teve um dia que eu não resisti a oferta.
Vivou, virou, e não matou ninguém.
Aí numa segunda-feira linda, brilhante de sol, vem Cleriston com
uma proposta.
E esta eu não resisti, desta virada ele conseguiu umas latinhas de tinta, e eu fiquei encantado com as cores.
E não teve conversa, já tirei o relógio do pulso, e não via a hora de voltar para casa.
Chegando em casa, tirei a farda da escola e comecei a pintar no quintal.
Peguei as tintas e inventei pincel com pena de galinha e rabo da égua.
Pintei as pedras do terreiro, construí um mundo da viagem que eu fazia até a escola.
Aí eu percebi que aquilo era minha escola.
Não esqueço da professora Livramento, que me ajudou a passar para a quinta série.
Escrevi frases de amor cristão, LBV, imitando a paisagem e as escritas que eu via na estrada, neste percurso de 18Km, do 58 a Mané Roque.
A coisa foi evoluindo, comecei a pintar o passeio de casa, frases em venda, nome de borracharia, restaurante, propaganda de posto de combustível na BR116.
Nunca esqueço da frase que escrevi na vendinha:" Fiado só no dia 32 de fevereiro".



Tacílio de Vita

Chico de Dona Morena



Aí já me senti um artista regional, pintei o restaurante de Dona Maura.
Uma paisagem bucólica, e uma frase dizia: Curta a vida, que a vida é curta.
Daí em diante até lameira de caminhão eu pintei, numa rodovia federal.
A influência era o caminhão e os caminhoneiros.
Comecei a desenhar os caminhões de todas as marcas, e os ônibus da região.
Aí, eu acreditei que seria melhor minha vida.
Aparecia gente de toda parte de noite e para lanchar no almoço.
Queriam me conhecer, pelos meus desenhos e frases.
Eles me falavam: "Você pode trabalhar em uma fabrica de caminhão, fazer desenhos e ter uma vida melhor".
E aqui estou em São Paulo. Obedeci aos conselhos, este é o meu destino.
Obrigado aos conselheiros e ao lugar que nasci.
Não me tornei engenheiro, médico, pedreiro,nem mecânico, virei um contador de histórias.
AMO SÃO PAULO!







domingo, 23 de fevereiro de 2014

Agoniado- O cão chupando cana

Na boca da navalha, na beira do precipício, o risco é grande e o corte é profundo, e a faca tá amolada.
No corte, de novo, já virou muitos, deitou, amém.
Andando em cima do caco de vidro.
Tô mau humorado!






                               


  Cipriano Souza e sua arte tropical

                                                                  “viva o povo brasileiro”[1]

        
Conheci o Cipriano Souza já em São Paulo, junto a outros artistas reunidos e a mim apresentados pelo também baiano Waldomiro de Deus. Fomos curtir a Festa do Boi no Morro do Querosene, onde Cipriano mora, ama e trabalha.

Cipriano arrisca várias técnicas, mas é na pintura que sua expressão se consolida. Para quem nasceu no sertão baiano, às portas do século XXI, não haveria sentido em limitar as mídias. Portanto, Cipriano pinta, “borda”, “chuleia e prega botão”, toca fole e ganzá, filma, conta “causo” e bate prego.

E, claro, dedica-se à pintura, talvez sua principal e mais cômoda manifestação. Em
sua arte de ares tropicais se detecta os jogos da infância, o ludo-lúdico, os modos e as maneiras de ver a vida, um sentir o mundo à la Miró, a colagem da vida e da arte se manifestando em sintonia. Poderia falar em “sinfonia de cores”, mas a arte de Cipriano está mais pra xaxado, farinha e cachaça, patchwork existencial, quadrados imperfeitos, círculos estrábicos, flores despetaladas, figuras de bichos e coisas pescados na infância da memória.

Cipriano é isso e muitas surpresas, como baú de guardados, do qual sempre é improvável prever o que nos reserva, principalmente se tratando deste baiano despachado pra São Paulo em busca de aplausos e platéias, mas que aqui encontrou  amor, amigos e a liberdade de criar, ir e vir.



                                                                                                  7/07/2010
                                                                                                27/11/2013



PAULO KLEIN
Crítico e Curador de Arte
APCA/ABCA/AICA




[1] RIBEIRO, João Ubaldo – Título do livro do escritor baiano.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

A moça do rádio

   Teve um tempo que eu consertava rádio, tv e o que mais aparecia  lá na caatinga.
   Uma moça me mandou seu aparelho que não funcionava.
   Quando abri o rádio, encontrei uma porção de cartas de amor.
   A dona ouvia o programa e mandava as cartas pelo rádio.
   Não conhecia o correio.
   Consertei e devolvi as cartas.


Se matar for inteligência
Sei que o homem é.
Mata muriçoca, mosquito, caititu, preá , crocodilo, rato, baratas e sonhos.

O cineasta 100x100cm 2014

Retrato 60x40cm 2014

Dica: exposição de Cipriano Souza no Bar Cristal Grill (Rua Prof. Arthur Ramos, 551, Jd. Paulistano, São Paulo, SP:

Cipriano Souza
Intensidades

A palavra intensidade parece apontar ótimos caminhos para mergulhar numa interpretação do trabalho visual de Cipriano Souza. Sua obra tem na cor uma característica primordial, mas ela não se esgota em si mesma como recurso plástico. A forma de dividir as áreas da pintura, por exemplo, indica para um entendimento próprio do sentido da arte.

Criar, para o artista baiano, é visceral. Não se trata de mais uma atividade humana, mas sim daquela mobilização primeira, inata, que o leva a construir narrativas continuamente, seja pelas imagens, seja pelas palavras em sua conversa encantadora. Cipriano surge como um contador de histórias em que não há fronteiras entre o real e o imaginado.

O impulso que o motiva é de manter a mente em andamento. Provavelmente isso o leva a estar sempre disposto a oferecer ao público novas dimensões de sua própria obra, num processo de busca constante. Pequenos desenhos ou telas de maiores proporções estão nessa mesma dinâmica de não estagnar como pessoa e como artista.

A intensidade do universo de Cipriano Souza se dá num permanente sentir o mundo e devolvê-lo pelas tintas ao nosso olhar. Trata-se de um exercício habitual de combate a qualquer tipo de acomodação. O pensar e o fazer são os pilares de uma existência ergue estruturas visuais densas e alegres.

Oscar D’Ambrosio integra a Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA-Seção Brasil). É doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie e mestre em Artes pelo Instituto de Artes da Unesp.